domingo, 16 de outubro de 2011

IMPROCEDÊNCIA “IN LIMINE” DE DEMANDAS REPETITIVAS

O art. 285-A do Código de Processo Civil foi introduzido pela Lei nº 11.277/06, publicada no dia 08/02/2006, tendo como finalidade atender ao mandamento constitucional previsto no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, na medida em que ele traz maior celeridade ao trâmite processual, entregando em
pouquíssimo tempo, inclusive com economia de recursos financeiros, visto que não há necessidade de despesas com oficial de justiça e com a citação do réu, a tutela jurisdicional.

A mens legislatoris vem assim explicitada na exposição de motivos: “Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o
escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.”

Há muito surgem propostas e sugestões, nos mais variados âmbitos e setores, de reforma do processo civil. Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão.

A proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria controvertida for unicamente de direito, e no juízo já houver sentença de total
improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada.

A sugestão encontra-se acorde com os preceitos que orientam política legislativa de reforma infraconstitucional do processo, ressaltando que a proposta resguarda o direito do autor apelar da decisão, possibilitando, ainda, a cassação da mesma pelo juiz, e o prosseguimento da demanda em primeira instância.

Dispõe o art. 285-A do CPC, in verbi:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º. Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º. Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

Não se poderá alegar eventual inconstitucionalidade do dispositivo em comento por ofensa ao princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, na medida em que o processo civil brasileiro é norteado pelo princípio do prejuízo no tocante às nulidades, não as declarando se o ato não sacrificou o fim último do processo, que é a prestação da tutela jurisdicional a quem tem o melhor direito, autor ou réu. Como apenas será julgado in limine o processo no caso de improcedência, não há que se falar em prejuízo ao requerido, tampouco ao autor, o qual não terá que arcar com os custos do processo, como a condenação nos honorários sucumbenciais.

A formação do processo, após a entrada em vigor do artigo acima transcrito, sofreu profunda alteração na sua essência. A formação do processo, até então, dava-se com a propositura da ação pelo autor, em obediência ao princípio da inércia que rege o direito processual civil brasileiro, com a posterior convocação do
demandado em respeito aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, que se realiza com a citação do réu.

O ajuizamento da ação dá-se com a sua propositura, sendo esta a primeira etapa da formação do processo. A propositura da ação, segundo o art. 263 do Código de Processo Civil, ocorre com a distribuição do processo onde houver mais de um juízo ou com o despacho do juiz na petição inicial, onde houver apenas um
juízo.

Em comentário à etapa da formação do processo, o Ministro Luiz Fux (FUX, Luiz. A reforma do processo civil. 1ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2006, p, 24) ensina com brilhante clareza:

A realidade é que a propositura da ação por si só gera efeitos para o autor e para o órgão jurisdicional. Entretanto, em relação ao réu esses efeitos somente se produzem após a citação válida, por isso que a posição hodierna do Código de Processo Civil explicita que com clareza essa formação gradual da relação processual, concebendo-o num primeiro momento pela iniciativa do autor e completando a angularidade reclamada pelo contraditório com a citação do réu. O ajuizamento marca a propositura e a citação, a estabilização da relação processual.

Acompanhando a maior parte da doutrina, o Ministro Luiz Fux afirma que a citação do requerido confere a estabilização da relação processual. Com acerto o ensinamento doutrinário, visto que até a citação do réu, a ação produz efeitos apenas em relação ao autor e ao órgão jurisdicional. Com a nova sistemática trazida pelo art. 285-A, a citação do réu não é necessária, mas nem por isso deixa de ocorrer a estabilização da relação processual, a qual é postergada para uma fase posterior, quando o autor apelar da sentença de improcedência do pedido. Isso vem demonstrar que o processo civil é dinâmico, e seus institutos podem apresentar variações com o passar do tempo, sem perder a sua essência.

Nelson Nery Junior (JUNIOR, Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª ed. São Paulo:RT, 2006, p. 482) elenca do seguinte modo os requisitos para o magistrado aplicar o disposto no art. 285-A do CPC:
A norma permite que o juiz julgue improcedente in limine pedido idêntico àquele que já havia sido anteriormente julgado totalmente improcedente no mesmo juízo. Para tanto é necessário que:
a) o pedido repetido seja idêntico ao anterior;
b) que o pedido anterior tenha sido julgado totalmente improcedente;
c) que o julgamento anterior de improcedência tenha sido proferido no mesmo juízo;
d) que a matéria seja unicamente de direito.

Neste caso, não haverá condenação em honorários advocatícios. O pedido repetido deve ser idêntico ao anteriormente julgado pelo magistrado. Pode-se citar como exemplo a ação em que o autor busca a declaração de nulidade da assinatura básica de telefonia fixa. Se o julgador entender que a assinatura básica de telefonia fixa é legal e o pedido deve ser julgado improcedente, por se tratar de questão meramente de direito poderá julgar in limine os processos posteriores, bastando para tanto que reproduza o teor da sentença anteriormente prolatada. Outro exemplo é o da possibilidade do corte de energia elétrica em face de inadimplemento.

O pedido anterior deve ter sido julgado totalmente improcedente. Caso haja na mesma ação vários pedidos cumulados, é possível ao magistrado utilizar-se da norma em comento. Todavia, o julgamento in limine será feito em relação tão somente a um dos pedidos, quando presentes os requisitos exigidos pelo art. 285-A do CPC. Nesse caso, o julgador poderá indeferir a petição inicial quanto ao pedido repetido, reproduzindo sentença anterior e, quanto aos demais pedidos cumulados, determinar a citação do réu.

O julgamento in limine do pedido poderá ser proferido pelo juízo, mas nada impede que mude seu entendimento e dê continuidade ao processo, com a citação do réu e a posterior fase instrutória, julgando o pedido, ao final, procedente ou improcedente. Não obstante esteja inserido dentro do procedimento comum ordinário, “a norma em exame tem natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, motivo pelo qual se aplica a toda e qualquer ação, independentemente da competência do juízo e do rito procedimental que se imprima à ação repetida” (JUNIOR, Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade. Idem. p. 483.).

Assim, pode-se aplicar essa sistemática nas ações de conhecimento, cautelar e de execução, nas de rito especial, entre outros. Em caso de sentença de improcedência in limine, o autor poderá apelar e o réu será citado para responder ao recurso, podendo alegar qualquer matéria na defesa da sentença de mérito. Observe-se que a sentença proferida pelo juiz nesses moldes produz coisa julgada material, sendo impossível a sua discussão posteriormente.







REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[5] RUIZ, Urbano; Artigo publicado na RJ nº 232, página 21, fevereiro de 1997.
[6] FRAGA, Ricardo Carvalho; Artigo publicado no Jornal Síntese nº 30, página 08, agosto de 1999.
[7] SADEK, Maria Tereza; Judiciário: mudanças e reformas. USP-estudos avançados, volume 18, número 51, páginas 91-92, maio/agosto de 2004.
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[11]http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2774/A-sumula-vinculante-analise-doutrinaria-e-constitucional
[12] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2376
[13] http://www.emap1.com.br/formacao_continuada/paper/cascavel/AndersonFogaca.pdf

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