terça-feira, 7 de junho de 2011

O Princípio da Insignificância

O princípio da insignificância, introduzido no Direito Penal em 1964 pelo jurista alemão Claus Roxin, apesar da ideia existir desde o Direito Romano, pois o pretor não devia ocupar-se de causas irrelevantes, de minimus non curat praetor, tem suporte na premissa de que o Direito Penal não deve se ater às condutas de pequena monta, que não causam maiores danos sociais ou materiais, em detrimento de condutas efetivamente danosas e que provocam desequilíbrio efetivo nas relações jurídicas em sociedade.
A maioria dos tipos pode excluir, em princípio, os danos de pouca importância. Não há crime de dano ou furto quando a coisa alheia não tem qualquer significação para o proprietário da coisa. É preciso, porém, que estejam comprovados o desvalor do dano, o da ação e o da culpabilidade. A excludente da tipicidade (do injusto) pelo princípio da insignificância (ou da bagatela), que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, não está inserta na lei brasileira, mas é aceita por analogia, ou interpretação interativa, desde que não contra legem.

Em síntese funciona como uma recomendação geral aos operadores do direito e em especial aos membros do Ministério Público e aos julgadores em todas as instâncias para que não se detenham na dedicação de incriminar condutas de pouca ou nenhuma expressão econômica ou social.
O Direito Penal possui uma natureza fragmentária e subsidiária, portanto, apenas incide até o limite necessário para a proteção do bem jurídico. Se este é lesado de forma ínfima, a lei penal não deve ocupar-se de tal ação, por ela não ser típica, em virtude de tolerar-se a conduta humana que representa gravidade escassa.
Deve haver ofensa material suficiente para acarretar a atuação estatal. Não existe necessidade em iniciar-se um processo de persecução criminal, traumatizante ao acusado, sem ocorrência substancial de lesão. Também não é razoável a aplicação de uma penalidade a "delitos" irrelevantes, que não constituem efetiva ofensa penal, não subsiste razão para a imposição de tamanha reprimenda.
A aplicação de penalidade pode trazer maior prejuízo ainda à sociedade, além de não haver proporcionalidade na imposição de sanção penal a crimes de bagatela. Não seria justa, por exemplo, a aplicação da mesma pena a um indivíduo que subtrai coisa alheia móvel no valor de R$ 2.000,00 e a outro que pratica, nas mesmas condições, um furto no valor de R$ 20,00. O resultado, sentido jurídico que enseja a aplicação da pena, deve ser relevante, quanto ao dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado, conforme orientação de acórdão do STJ (STJ, RHC 4311 / RJ, 6ª turma, j. 13/03/1995).
Uma parte dos autores justifica a existência deste princípio devido à ausência de periculosidade social do crime (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V. 1, 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, p. 117.), embora o fato praticado seja típico e antijurídico.
A doutrina, de um modo geral, afirma que se distingue um crime comum de um de bagatela, entre outros critérios, de acordo com a sua escassa reprovabilidade, a pequena relevância na ofensa ao bem jurídico, sua baixa nocividade social e a desnecessidade de aplicação de uma pena.
Relacionando o princípio a alguns delitos, o crime de dano, previsto no art. 163 do Código Penal, deve representar um prejuízo de certa significação para o proprietário da coisa. O peculato, art. 312, não pode referir-se a ninharias, como ocorreu de acusar-se um servidor público de peculato pelo desvio de algumas poucas amostras de amêndoas. O crime de descaminho, descrito no art. 334, §1º, d, deve constituir a posse de mercadoria estrangeira de quantidade ou valor suficientes para provocar sensível lesão tributária ao Fisco. O furto, art.155, é representado pela subtração de coisa alheia, que provoque uma lesão relevante ao seu proprietário, e não de, por exemplo, canetas, folhas de papel ou outros objetos de pouco valor. O estelionato, no art. 171, deve significar o uso de fraude para atingir um fim significativo, e não apenas para deixar de pagar passagens de ônibus, por exemplo. Inúmeros são os exemplos de condutas que possuem tipicidade formal, por enquadrar-se na descrição exata de um tipo penal, no entanto, não possuem tipicidade material, por não representarem relevante prejuízo ao bem jurídico tutelado.
No entanto, uma conduta atípica não é sinônimo de conduta permitida. O fato penalmente irrelevante pode receber tratamento adequado, se necessário, em outros ramos do direito (enquadrando-se como, por exemplo, ilícito civil ou administrativo), respeitando o caráter fragmentário e de intervenção mínima do Direito Penal.
É crescente o número de julgados que determinam o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta, baseados no Princípio da Insignificância. Sua adoção ocorre, de forma mais intensa, em casos relacionados a tóxicos, em crimes de descaminho, furto ou dano.
Portou-se, dessa forma, o STJ, quando concedeu habeas corpus a um indivíduo, acusado de cometer dano qualificado, pela destruição de uma lâmpada em prédio público (STJ, RHC 9359 / SP, 5ª turma, j. 16/12/1999). Considerou-se o ínfimo valor de R$ 0,30 representado pelo objeto lesionado.
Um caso, amplamente divulgado pela mídia, de decisão do STJ a favor da exclusão de tipicidade com base na insignificância, foi de um furto de quatro minhocas, denunciado por uma promotora pública, em Minas Gerais. A decisão baseou-se na conduta dos acusados não ter poder lesivo suficiente para atingir o bem tutelado pela Lei de crimes contra a fauna, sendo a imposição de uma penalidade mais gravosa do que o dano provocado pelo ato delituoso.
Críticas
Por ser um princípio doutrinário, não possui, ainda, aceitação totalmente pacífica. Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que não reconhece a insignificância como excludente da tipicidade penal. É uma corrente conservadora, que resiste em acatar os novos rumos do Direito Penal moderno, e vem perdendo prestígio. Seu argumento baseia-se na lei penal não fazer referência à quantidade de lesão necessária para configurar-se um delito. Não seria possível auferir o que é, realmente, insignificante, medindo o valor do bem para dar-lhe proteção jurídica.
Logo, o princípio seria muito liberal e esvazia o Direito Penal (BEMFICA, Vani, apud, MAGALHÃES, Joseli de Lima. O princípio da Insignificância no Direito Penal). É uma concepção clássica, ultrapassada, na medida em que considera apenas a tipicidade formal de uma conduta para qualificá-la de delituosa, além de não enxergar além da prescrição da norma penal. O Direito deve estar, no entanto, aberto a inovações que aperfeiçoem a sua aplicação.
Existem julgados manifestando-se em tendência contrária à adoção do Princípio da Insignificância. O STJ já negou concessão de habeas corpus a um lavrador, que responde por porte e tráfico de drogas, devido ao encontro de 0,25 decigramas de cocaína, junto à balança, sacos plásticos e seringa, em sua residência. A defesa do agente pedia o trancamento da ação penal, já que, com base no princípio da insignificância, a quantidade de droga encontrada com o agente não teria relevância jurídica. No entanto, afirmou-se que a quantidade mínima de droga encontrada não é justa causa para arquivar-se um processo, visto que a legislação não fixa qual a quantidade de droga apreendida necessária para a configuração de tráfico ou uso de tóxicos (STJ, HC 11695, 6ª turma, j. 09/05/2000).
Existem outros julgados que ignoram o Princípio doutrinário. Como a condenação, ocorrida na justiça do Rio Grande do Sul, de um indivíduo, por furto qualificado de cinco galinhas caipiras, avaliado economicamente em R$ 38,00, a dois anos e três meses de reclusão, início em regime fechado. No entanto, posteriormente, o indivíduo foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do estado.
Conclusão
Modernamente, a efetivação da aplicação das normas penais passa por duas ideias fundamentais: não se pode punir um comportamento que a sociedade não considera digno de receber punição; e o Direito Penal não se deve ocupar de bagatelas. O Estado não pode mais acionar todo seu aparelho judiciário, em razão de fatos de pouca relevância jurídica, na medida em que isso só contribuiria para afogar, ainda mais, o já conturbado e moroso Poder Judiciário do país. Processos acerca de causas que não possuem o menor potencial de lesão ocupam tempo e despesas, comprometendo a celeridade de outras demandas que, realmente, interessam mais à sociedade.
Há, ainda, uma certa resistência na aplicação dos princípios da Adequação Social e da Insignificância, pelo fato deles possuírem natureza doutrinária, e não legal. A fundamentação desta crítica é duramente combatida, pois o ordenamento jurídico não se resume apenas ao que está positivado. Os princípios doutrinários existem para orientar a aplicação do Direito, havendo necessidade em sua utilização. Não se pode mais permanecer, cegamente, vinculado à legalidade.
O magistrado possui uma certa margem, para analisar a conveniência e proporcionalidade de imposição de uma pena aos chamados crimes de bagatela ou a condutas socialmente aceitas. Se tais comportamentos podem ser alvo de sanções extrapenais, como no âmbito do direito civil ou administrativo, não há necessidade de condenação criminal. O Estado não deve recorrer à proteção do Direito Penal, que enseja a aplicação de sua grave sanção, se há possibilidade de garantir proteção suficiente ao bem jurídico, através de meios extrapenais.
Assim, defendemos a aplicação dos princípios analisados, no entanto, com certas restrições, principalmente, no que se relaciona à delimitação do que a sociedade tolera de fato ou do que seja um crime insignificante. Não se pode abrir espaço para que certos delitos comprometedores da ordem social, mesmo sendo pequenos, sejam qualificados como de pouca relevância.
Josué Campbell de Medeiros
Acadêmico de direito – 5º período

Bibliografia
1.CALLEGARI, André Luís. Crime de descaminho e o princípio da insignificância. 16 de maio de 2000.
2. CARVALHO, Ivan Lira de. Direito Penal Mínimo, Eximentes e Dirimentes nos Crimes Ambientais., 29 de maio de 2000.
3. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. V.1, 19. ed, São Paulo: Ed. Saraiva, 1995.
4. MAGALHÃES, Joseli de Lima. O princípio da Insignificância no Direito Penal. 08 de maio de 2000.
5. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V. 1, 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996.

Nenhum comentário:

Postar um comentário