terça-feira, 7 de junho de 2011

Possibilidade do MP ingressar com recurso especial frente o STJ contra decisão concessiva de habeas corpus

Gostaria de tecer alguns comentários a respeito da possibilidade do Ministério Público ingressar com recurso especial contra decisão concessiva de habeas corpus, tema que gerou opiniões discrepantes entre Ministros do STJ em alguns acórdãos que pesquisei, como, por exemplo, recurso especial nº 1.187.339 - RS (2010/0053939-1).

O habeas corpus é, segundo os ensinamentos de CELSO RIBEIRO BASTOS, “inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal”. O remédio Constitucional “protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades” (In Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva – 2001 – São Paulo, 22ª Edição, pg. 239).

Nessa linha de raciocínio, o Legislador Constituinte ao delimitar o cabimento de recursos extraordinários lato sensu em sede de habeas corpus, atribuiu a competência ao STF e STJ através de “Recurso Ordinário” e somente nas hipóteses denegatórias, consoante artigos 102 e 105 da Constituição Federal, excluindo-se, naturalmente, as pessoas mencionadas em suas alíneas que detém prerrogativa de foro e podem ingressar com o remédio originariamente.

Segundo a Constituição Federal, a competência das Cortes Superiores é distribuída da seguinte forma:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - julgar, em recurso ordinário: a) o habeas-corpus, o mandado de segurança, o habeas-data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão";
...
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - julgar, em recurso ordinário: a) os habeas-corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;”.

Verifica-se, assim, que o Legislador não permitiu que o remédio constitucional de habeas corpus viesse a ser utilizado em desvio de finalidade para segregar a liberdade do cidadão e perseguir os interesses do Estado (no caso a Justiça Pública), pois o habeas corpus tem raízes constitucionais em garantir, exclusivamente, a liberdade da pessoa.

A súmula de no208 do Supremo Tribunal Federal traz o seguinte texto: “o assistente do Ministério Público não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de habeas corpus”, demonstrando que já existe jurisprudência a respeito na Corte Suprema.

É certo que parte da doutrina entende cabível o Recurso Excepcional ao STJ e STF quando houver decisão concessiva em habeas corpus (nesse sentido posiciona-se Ada Pellegrinni Grinover in Recursos no Processo Penal, Editora RT, 3ª Edição, pg. 383), partindo do princípio de que apesar da Constituição, de fato, prevê recurso ordinário para as decisões denegatórias de habeas corpus (art. 105, II, 'a'), isso não significa que tenha vedado o recurso especial nas demais hipóteses, particularmente quando da concessão da ordem. Ao contrário, assim ocorrendo, o órgão de acusação poderá suscitar as questões próprias que lhe parecer, desde que atenda aos requisitos de admissibilidade correspondentes.

A corrente majoritária entende ser cabível o recurso, porém, devemos levar em consideração dois princípios da administração pública: o Princípio da Legalidade e o Princípio da Finalidade.

O princípio da legalidade encontra-se constitucionalmente expresso, já que está devidamente elencado na lei, em seus artigos 5º, inciso II, 37, ‘caput’ da Constituição Federal. O artigo 5º da Constituição Federal reza: “Ninguém será obrigado a fazer ou não fazer nada senão em virtude de lei”. Neste inciso fica evidente que as pessoas não são obrigadas a submeter-se a determinadas situações se não constar de lei, sendo que só há definitivamente uma obrigação de fazer ou não fazer algo se constar de norma jurídica devidamente tipificada.

Já no que tange ao artigo 37, “caput” da Constituição Federal dita que: “A administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

O princípio da legalidade significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. Traz em si a ideia de que há uma diferença entre a legalidade pública e a legalidade do particular, já que o particular é livre para agir como bem entender desde que a lei não o proíba, mas o poder público não possui esta liberdade para agir, estando sempre vinculado com o bem comum e aos mandamentos da lei, e deles não pode se desviar ou afastar, sob pena de praticar ato inválido.

Segundo Hely Lopes Meirelles, “na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto no âmbito particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª edição. Editora Malheiros. pp. 83 e ss.).

José Afonso da Silva conceitua o princípio da legalidade na esfera administrativa pública como sendo: ”uma nota essencial do estado de Direito. É também, por conseguinte, um princípio basilar do estado Democrático de Direito, porquanto é da essência do seu conceito, subordina-se à Constituição e fundamenta-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da legalidade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais, e é neste sentido que o princípio esta consagrado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, como já visto acima, que segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei”” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição. 1993. PP. 376).

A expressão em “virtude de lei” utilizada no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, o significado da palavra lei, é a lei formal, ou seja, é o ato administrativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado nas conformidades dos artigos 59 e 60 da Constituição Federal.

É por este princípio constitucional da legalidade que se permite que ao particular seja concedido o privilégio de poder fazer tudo quanto não estiver proibido e ao administrador só lhe é permitido fazer o que estiver determinado expressamente na lei (em sentido amplo) e não há liberdade desmedida ou que não esteja expressamente concedida. Toda a atuação administrativa vincula-se a tal princípio, sendo que deste princípio decorre a proibição de, sem lei que permite a Administração Pública vir a, por mera manifestação unilateral de vontade, declarar, conceder, restringir direitos ou impor obrigações.

Por fim o princípio da finalidade, que não é decorrente do princípio da legalidade, é sim mais que isso, é uma inerência dele e nele está contido, pois corresponde a aplicação da lei na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada.

Levando em consideração o exposto acima, fica registrado a dúvida da possibilidade do Ministério Público ingressar com recurso especial contra decisão concessiva de habeas corpus, pois, apesar da lei não proibir, como a corrente majoritária defende, como órgão público, pode ele fazer o que a lei não determina? Por conseguinte, a utilização do habeas corpus contra o réu atende a finalidade do instituto? Ou devem as decisões proferidas pelas Cortes Superiores do país prestigiarem o remédio constitucional apenas em favor do réu, “nunca para satisfazer os interesses, ainda que legítimos, da acusação”?


Josué Campbell de Medeiros
Acadêmico de direito 5º período

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